segunda-feira, 11 de março de 2013

O certo, o errado e o bom

Quando li o livro A Alma Imoral, do rabino Nilton Bonder e assisti à peça baseada nessa obra, muitas coisas chamaram minha atenção e constantemente me provocam reflexões. Uma das passagens faz uma referência às escolhas que fazemos baseados no que é certo ou errado. Nossa tendência é optar pelo consideramos certo, mas a parábola que relato agora nos traz outra opção: 

Certa vez, uma mulher muito pobre, já sem recursos para alimentar os filhos e o marido doente, recebe como doação uma galinha. Porém, a ave não havia sido criada sob os preceitos da religião judaica. Então, ela dirige-se à sinagoga para consultor ao rabino sobre a possibilidade de preparar a refeição utilizando-a como ingrediente. O rabino informa que precisará estudar o caso e pede que ela aguarde a recomendação. A mulher volta para sua casa e o religioso vai à sala de estudos para avaliar a questão. Durante horas ele lê o Torá e olha para galinha. Depois de longa reflexão, chama sua esposa e pede que leve a galinha para a senhora e que diga que seria errado preparar qualquer alimento com aquele animal. 

A esposa atende ao pedido do marido e vai até a casa da pobre senhora. Chegando lá, ela observa a situação de penúria pela qual passa a família. As crianças magras e com aparência de famintas, o marido entrevado no leito, sem forças para trabalhar e conseguir sustentar mulher e filhos. Ela, então, olha profundamente nos olhos da mulher e diz, pode preparar um bom caldo com essa galinha. 

Quando retorna para casa o marido pergunta: 

- Fez o que mandei? Disse para que ela não cozinhasse a ave? 

A esposa respondeu: 

- Meu senhor, eu disse para ela cozinhar a ave. 

O rabino rebateu: 

- Mas, eu não havia dito que era errado? Eu estudei profundamente o Torá e não era certo utilizar aquele animal como alimento. 

A esposa explicou: 

- Meu senhor, eu o observei enquanto estudava e percebi que olhava para o Torá e olhava para a galinha. Pois, quando cheguei na casa daquela senhora, eu olhei para a galinha e olhei para a família, então decidi pelo bom, mesmo que parecesse errado. 

Embora essa história refira-se a um dos livros sagrados dos judeus e não ao Evangelho de Jesus, inicio minha reflexão com ela porque em essência nos fala sobre a nossa capacidade de interpretação e de condução de nossos atos. 

Há uma passagem contida no Capitulo 18 do Evangelho segundo o Espiritismo (Muitos serão os chamados e poucos os escolhidos), que muito pode nos ensinar: 

Todos os que confessam a missão de Jesus, dizem: Senhor, Senhor! Mas de que vale chamá-lo Mestre ou Senhor, quando não se seguem os seus preceitos? São cristãos esses que o honram através de atos exteriores de devoção, e ao mesmo tempo sacrificam no altar do egoísmo, do orgulho, da cupidez e de todas as suas paixões? São seus discípulos esses que passam os dias a rezar, e não se tornam melhores, nem mais caridosos, nem mais indulgentes para com os seus semelhantes? Não, porque, à semelhança dos fariseus, têm a prece nos lábios e não no coração. Servindo-se apenas das formas, podem impor-se aos homens, mas não a Deus. 

...Para vós, haverá choro e ranger de dentes, pois o Reino de Deus é para os que são mansos, humildes e caridosos. Não espereis dobrar a justiça do Senhor pela multiplicidade de vossas palavras e de vossas genuflexões. A única via que está aberta, para alcançardes a graça em sua presença, é a da prática sincera da lei do amor e da caridade.” 

E para fazer a caridade temos que nos pautar nas palavras de Jesus, mas não nos guiar cegamente pelos dogmas que durante séculos foram se acumulando a partir da equivocada e, muitas vezes, desvirtuada interpretação do que o Mestre nos disse. É preciso fazer uso da nossa faculdade anímica do pensar para ler e interpretar a leitura com criticidade, mas sobretudo é preciso aprender a ouvir o próprio coração. Nosso cérebro consegue distinguir o certo do errado, porém é nosso sentir que tem a capacidade de reconhecer o que é bom. Mas, é importante ficar claro que quando falo do sentir, não falo do mundo das emoções fortes, das paixões. É fundamental não confundir a capacidade de amar com esse universo de sensações. Ao falar do sentir refiro-me a abertura de um canal de percepção que vai muito alem do que nossa capacidade cognitiva pode alcançar. E esse canal só se abre quando o genuíno amor ao próximo se manifesta em nós, assim como se manifestou na mulher do rabino. Sim, foi por amor que ela desobedeceu ao marido, amor ao próximo, desprovido de medo, interesse ou julgamento. 

Acredito que somente através desse sentir amoroso que podemos nortear as nossas ações voltadas para o bem. Então, ouso dizer que a leitura do Evangelho deve ser realizada com os olhos do coração. Todas as palavras do Mestre contem lições importantíssimas que só poderão ser compreendidas se soubermos balancear nosso pensar e nosso sentir. Apenas dessa forma, nossas ações revelarão o que temos de melhor em nós e, assim, poderemos praticar a verdadeira caridade. 

O Evangelho Segundo o Espiritismo, no capitulo 15 (Fora da caridade não há salvação) nos diz: 

São Paulo compreendeu tão profundamente esta verdade, que diz: “Se eu falar as línguas dos anjos; se tiver o dom de profecia, e penetrar todos os mistérios; se tiver toda a fé possível, a ponto de transportar montanhas, mas não tiver caridade, nada sou. Entre essas três virtudes: a fé, a esperança e a caridade, a mais excelente é a caridade”. Coloca, assim, sem equívoco, a caridade acima da própria fé. Porque a caridade está ao alcance de todos, do ignorante e do sábio, do rico e do pobre; e porque independe de toda a crença particular. 

E faz mais: define a verdadeira caridade; mostra-a, não somente na beneficência, mas no conjunto de todas as qualidades do coração, na bondade e na benevolência para com o próximo. 

Para finalizar, gostaria de compartilhar um poema de Rudolf Steiner, que pode nos inspirar na busca pelo equilíbrio de nossas forças anímicas. 

No pensar, lucidez 
No sentir, afeição 
No querer, ponderação
Se eu aspirar estas três, 
então poderei esperar 
saber orientar-me 
corretamente nas trilhas da vida, 
frente a corações humanos, 
no âmbito do dever. 
Pois, lucidez provém da alma, 
e afeição mantém o calor do espírito 
ponderação revigora a força vital. 
E tudo isto, aspirado na confiança em Deus 
conduz, nos caminhos humanos, 
a bons e seguros passos na vida. 


Pintura: Alfred Lakos (Rabino lendo)

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