segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Felicidade

Reflexões baseadas na leitura do Capítulo 10 do Evangelho Segundo o Espiritismo: Bem aventurados os aflitos. 

Tenho refletido sobre uma tendência de nossa época: uma busca desenfreada e pouco consciente pela felicidade. Mas, afinal o que significa ser feliz? 

Parece-me pueril acreditar que felicidade completa seja possível, afinal estamos sujeitos às alternâncias da vida, que nos apresenta constantes desafios, nos presenteia com situações que envolvem alegrias e desventuras. Muitas vezes, temos experiências que nos causam profundo contentamento e ao mesmo tempo, geram desconforto ou tristeza em outras pessoas. E o inverso, também, é verdadeiro. E como ser realmente feliz sem me conectar como o outro, tentando equilibrar o atendimento das necessidades mutuamente? 

Além disso, percebo que nessa busca pela felicidade instantânea, corremos o risco de ficar na superfície de nossas existências. Podemos nos apegar a bálsamos para anestesiar nossas profundas dores e não investigar com coragem a origem do que nos aflige. E assim, seguimos, cobrindo as feridas com o unguento das ilusões: um carro novo, uma viagem, roupas novas, amores novos, a mesa constante de um bar e outros tanto paliativos às dores da alma. 

Na verdade, não estou pregando o abrir mão de prazeres e facilidades que a vida terrena nos permite, mas de ampliar a consciência sobre nossas reais necessidades e de não nos entregarmos cegamente ao sistema que, muitas vezes, nos aprisiona com algemas de ouro ou que pensamos ser de ouro. 

Seria possível ser verdadeiramente feliz sem a consciência do que realmente somos e precisamos nessa jornada? Considerando essa mistura que envolve sentimentos e sensações agradáveis com angustias e desencanto, situações de pura ventura alternadas com infortúnios, o que faria cada um de nós feliz? O que faria cada um de nós serenar o coração diante de uma frustração e tentar compreender a lição embutida nessa situação? 

Será que percebemos o quanto nos atormentamos voluntariamente, muitas vezes, apenas porque nossas expectativas de obter um balsamo foram frustradas?

No Evangelho Segundo o Espiritismo o espírito Fénelon nos fala sobre os Tormentos voluntários. 

"O homem está incessantemente à procura da felicidade, que lhe escapa a todo instante, porque a felicidade sem mescla não existe na Terra. Entretanto, apesar das vicissitudes que formam o inevitável cortejo desta vida, dele poderia pelo menos gozar de uma felicidade relativa. Mas, ele a procura nas coisas perecíveis, sujeitas às mesmas vicissitudes, ou seja, nos gozos materiais, em vez de buscá-la nos gozos da alma, que constituem uma antecipação das imperecíveis alegrias celestes. Em vez de buscar a paz do coração, única felicidade verdadeira neste mundo, ele procura com avidez tudo o que pode agitá-lo e perturbá-lo. E, coisa curiosa, parece criar de propósito os tormentos, que só a ele cabia evitar. 

Quantos tormentos, pelo contrário, consegue evitar aquele que sabe contentar-se com o que possui, que vê sem inveja o que não lhe pertence, que não procura parecer mais do que é"? 

Pessoalmente, acredito que uma das maiores fontes de infelicidade tem raiz nesse desejo, muitas vezes inconsciente, de ser algo que não se é, de ter o que não se tem, de apego ao passado ou olhares para o futuro. A dificuldade de viver o agora, com tudo o que ele apresenta pode ser o nascedouro das insatisfações. Escrevi uma poesia na tentativa de traduzir essas minhas inquietações:

Às vezes, na ânsia de ser feliz me perco 
Quero o não tido e me projeto adiante 
Busco lá trás alegria antiga 
Percebo a falta e à bonança eu cego 
Perco o momento em que o botão floresce 
A gota de orvalho que a manhã abriga 
A beleza da vida que cresce 
O sorriso que espontâneo a mim chega 
O brilho manso do sol que me aquece 
O calor do abraço que me acolhe 
O afeto que vem num olhar profundo 
Pequenas coisas que o agora entrega 
Grandes dádivas que a vida oferece 
Doses diárias de felicidade 
Que se desatento desmereço o momento 
Que se descuido não reconheço a prenda 
Mas, se me rendo e deixo tudo chegar 
A felicidade poderei vivenciar 
Hoje, aqui, agora 
Amanhã, depois, outrora 

É preciso ser feliz sem demora, mas com consciência. Valorizar tudo o que a vida nos proporciona, mesmo que aparentemente não seja motivo de alegria. 

Rudolf Steiner certa vez disse: "Alegrias são dádivas do destino, que demonstram seu valor no presente. Sofrimentos, ao contrário, são fontes do conhecimento cujo significado se mostra no futuro". 

Esse talvez seja nosso grande desafio, reconhecer as alegrias, agradecendo sempre a oportunidade de vivenciá-las e aceitar que eventuais dores tem sua razão de ser, mas não se entregar ao sofrimento, caso contrário poderemos não compreender seu significado. Muitas vezes, temos que viver o luto, seja pela partida de alguém querido, seja por um relacionamento que se finda, seja pelo emprego perdido. Mas, a vivência desse luto deve ter prazo, pois essas experiencias de perda não ocorrem para nos causar infelicidade, mas sim para nos recolocar no caminho a que estamos destinados a trilhar.

E para ser feliz nesse plano, não podemos esquecer que "não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual, somos seres espirituais vivendo uma experiência humana", como nos disse o filósofo francês Teilhard de Chardin.

Como seres espirituais, vivendo uma experiência humana temos que aprender a ser felizes dentro das possibilidades que essa existência oferece. E é como Fénelon, nos disse "a felicidade sem mescla não existe na Terra".

Então, creio seria oportuno seguir o lema dos Beneditinos, que dizem: ora e labora. Orar e nos conectar com nosso Eu Espiritual para compreender quem somos e do que realmente carecemos para sermos felizes e aí, então, laborar para alcançar a dádiva da realização terrena. 

Que sejamos conscientes, que sejamos felizes!