segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Tirando a venda

Reflexões baseadas na leitura do Capítulo 10 do Evangelho Segundo o Espiritismo: Bem aventurados os que são misericordiosos. 

Peço sempre ao meu mentor que me inspire e que me ajude a enxergar além do que meus olhos físicos permitem. Para que possa identificar a que estou cega, o que ainda não consigo enxergar. A que me permita admitir o que finjo não ver. Sim, há muito que já enxerguei, mas a mudança exige de mim um esforço que ainda não me dispus a fazer, então faço de conta que não vi e faço ouvidos moucos aos pedidos da minha alma. E imagino que não sou a única a agir dessa forma. 

Quantos de nós não incorre no erro a que Jesus se referiu quando falou: falou: Por que vês tu o cisco no olho do teu irmão, e não vês a trave no teu olho? Ou como dizes a teu irmão: Deixa-me tirar-te do teu olho o cisco, quando tens no teu uma trave? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então verás como hás de tirar o argueiro do olho de teu irmão. (Mateus, VII: 3-5). 

Quando leio essas palavras de Jesus, entendo que não é possível ajudar o outro, portanto ser misericordioso, se antes não tiver me trabalhado interiormente para remover as traves que me impedem de ver além da superfície. 

Ainda sobre enxergar, o Mestre falou: Porventura pode um cego guiar outro cego? Não cairão ambos no barranco? 

Sinto que esse é um dos grandes desafios de desenvolvimento, enxergar além do obvio, além da ponta do iceberg. E a maior parte desse iceberg está dentro de nós mesmos. 

Quanto há em nós que desconhecemos? O quanto nos surpreende a visão que os outros têm sobre nós? O quanto negamos do que somos e, muitas vezes, nos falta coragem para aceitar nossas limitações. E outras, até por baixa autoestima não reconhecemos os talentos que clamam para serem colocados a serviço do mundo. 

Sim, acredito que existe uma tendência de ficar na superfície. É, aparentemente, mais fácil. E talvez, escolhemos ficar na superfície, para evitar dores. Mas é tentativa vã, pois a dor de não se enxergar, mais cedo ou mais tarde nos alcança. E o pior, pode ser uma dor que sentimos sem identificar a fonte, daí pode ficar mais difícil encontrar a cura. 

Mas, por termos livre-arbítrio, podemos nublar nossos olhos o quanto quisermos e culpar a vida e os outros pelos nossos infortúnios, mas dessa forma entregamos nosso destino e nossa evolução a mãos alheias. Immanuel Kant, um filosofo alemão, do século XVIII, disse que Você é livre no momento em que não busca fora de si mesmo alguém para resolver os seus problemas. Eu acredito que não há outra forma de resolver nossas questões que não passe pelo autoconhecimento. 

E para isso é preciso tirar a trave do olho. Reconhecer que há muito a ser desvendado sobre nossa alma, sobre nossos anseios, sentimentos, sobre nossa missão nessa existência. 

Sinto que enquanto não tivermos a coragem para olhar profundamente para nós mesmos, não poderemos nos dispor a julgar ninguém mais. E aí, há um contraponto, pois acredito que quando mais nos conhecermos internamente, menos teremos a tendência de julgar os outros e aí poderemos desenvolver a compaixão. Pensando assim, o julgamento, só existe como forma de nos sustentarmos em nossas crenças arraigadas, aquelas velhas, rotas que alicerçam e justificam o nosso jeito de viver e gera pouco espaço para a mudança, para evolução. Bom seria que todas as certezas fossem provisórias, para que possamos nos surpreender com o que encontramos dentro de nós e sintamos impulso de transformação. E para amolecer nossas certezas, é preciso investir em autoconhecimento. É preciso tirar a trave do olho. 

Ainda neste capítulo há uma interpretação que fala que um dos caprichos da humanidade é ver cada qual o mal alheio antes do próprio. Para julgar-se a si mesmo, seria necessário poder mirar-se num espelho, transportar-se de qualquer maneira para fora de si, e considerar-se como outra pessoa, perguntando: Que pensaria eu, se visse alguém fazendo o que faço? 

Existe um exercício meditativo, que confesso faço com menos diligencia do que deveria, mas muito interessante. Consiste em antes de dormir fazer uma retrospectiva do dia, passando evento por evento como se fosse um espectador e não o protagonista, cuidando para evitar o julgamento. A ideia é só “assistir” o dia, reconhecer os atos e só dormir depois que chegar ao primeiro momento do dia. É uma forma eficaz de se enxergar, mas é preciso disciplina e coragem. Duas condições básicas para o autoconhecimento. 

E voltando à pergunta de Jesus Porventura pode um cego guiar outro cego? Não cairão ambos no barranco? É de se supor que ele, como habitualmente fazia, tenha usado o recurso da metáfora. Não era de cegueira física que ele falava. Era a cegueira da alma, da incapacidade de enxergar-se, reconhecer-se. E o barranco, a que será que ele se referia? E quais seriam os barrancos de nosso tempo? 

E junto a essas inquietações, chegam a mim uma serie de perguntas e desejos, que transformei em poesia e gostaria de compartilhar: 


O que cega meus olhos? 
Seria a vaidade incontida? 
Seriam os infundados medos? 
Seriam as virtudes enaltecidas? 
Ou apenas a venda tecida em cisma e orgulho? 
Quero afastar o que me cerra os olhos 
Tudo o que me impede de viver o que sou 
Tudo o que é capaz de sombrear meu campo florido 
Tudo que me envolve e esmaece as cores do que vivo 
Eu quero ver a imperfeição para vislumbrar o caminho 
Reconhecer na dor o que me ensina a ser 
Para viver o nítido, puro e inquebrantável amor.


Vamos tirar a venda?