segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Vícios e Virtudes

Reflexões baseadas na leitura do Capítulos 13 (Que a mão esquerda não saiba o que faz a direita) e 17 (Sede perfeitos) do Evangelho Segundo o Espiritismo 


Em nosso estado humano nos deparamos amiúde com situações que pedem a prática de nossas virtudes. Momentos em que aquilo que é de mais puro e autentico em nós pode ser colocado a serviço do outro. 

Sobre essa qualidades, o evangelho traz no capítulo 17: A virtude, no seu grau mais elevado, abrange o conjunto de todas as qualidades essenciais que constituem o homem de bem. Ser bom, caridoso, trabalhador, sóbrio, modesto, são as qualidades do homem virtuoso. Infelizmente, são quase sempre acompanhadas de pequenas falhas morais, que as deslustram e enfraquecem. Aquele que faz alarde de sua virtude não é virtuoso, pois lhe falta a principal qualidade: a modéstia, e sobra-lhe o vício mais oposto: o orgulho. 

No capitulo 13, a mensagem de Jesus nos diz: Guardai-vos, não façais as vossas boas obras diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles; de outra sorte não tereis a recompensa da mão de vosso Pai, que está nos Céus. Quando, pois, dás a esmola, não faças tocar a trombeta diante de ti, como praticam os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem honrados dos homens; em verdade vos digo que eles já receberam a sua recompensa. Mas quando dás a esmola, não saiba a tua esquerda o que faz a tua direita; para que a tua esmola fique escondida, e teu Pai, que vê o que fazes em segredo, te pagará... “Os que fazem o bem com ostentação já receberam a sua recompensa”. Com efeito, aquele que busca a sua glorificação na Terra, pelo bem que faz, já se pagou a si mesmo. Deus não lhe deve nada; só lhe resta a receber a punição do seu orgulho. 

Os dicionários traduzem orgulho como elevado conceito que alguém faz de si próprio.“ E partindo dessa afirmação quero perguntar: quem de nós nunca fez um bem esperando reconhecimento? Quem de nós empreendeu grande esforço em prol do próximo e no seu intimo aguardou um olhar, uma palavra de agradecimento? Quem de nós já não fez uma boa ação e mesmo tendo a genuína intenção de contribuir, não relatou o ocorrido aos familiares e amigos com uma intenção, mesmo que não percebida, de ser visto como bom samaritano, como alguém de bom coração? Quem de nós já não agiu a favor do outro desejando ter suas qualidades enaltecidas? 

A existência humana é permeada pela dualidade, somos compostos de luz e sombra, de bem e mal. Para regular a convivência nos pautamos no certo e errado, definições que muitas vezes esquecem a avaliação do que é bom e o discernimento do que o contexto e momento pedem. E se ficarmos reféns de ideias preconcebidas sobre nos mesmos e direcionar nossas ações para confirmar o que acreditamos, corremos o enorme risco de servir apenas ao ego. De fazer pelo outro com a expectativa de alimentar a nós mesmos. 

O Evangelho nos traz o seguinte: O homem possuído pelo sentimento de caridade e de amor ao próximo faz o bem pelo bem, sem esperar recompensa, paga o mal com o bem, toma a defesa do fraco contra o forte e sacrifica sempre o seu interesse à justiça. Encontra sua satisfação nos benefícios que distribui, nos serviços que presta, nas venturas que promove, nas lágrimas que faz secar, nas consolações que leva aos aflitos. Seu primeiro impulso é o de pensar nos outros, antes que em si mesmo, de tratar dos interesses dos outros, antes que dos seus. O egoísta, ao contrário, calcula os proveitos e as perdas de cada ação generosa. 

Mas, como ter clareza sobre o que nos motiva a agir? Como podemos aferir o grau de genuinidade no interesse no próximo? Reflito sobre o assunto e mais perguntas se apresentam: O que cega meus olhos? Seria a vaidade incontida? Seriam os infundados medos? Seriam as virtudes enaltecidas? Ou apenas a venda tecida em cisma e orgulho? 

E de pergunta em pergunta a única resposta que me parece razoável é a que traz o autoconhecimento como caminho. Sinto que a única forma de ter atenção genuína no outro passa por um profundo e corajoso olhar sobre si. É preciso reconhecer as virtudes, não para enaltece-las, subir num pedestal. É preciso ter essa consciência para que saibamos quais recursos dispomos para servir, para potencializá-los a favor do bem comum e confiar que o reconhecimento chegará naturalmente. 

Mas, é necessário, também, a bravura para reconhecer o que é sombra, o que nos anula a virtude. E esse olhar deve ser amoroso. Percebo que aceitar o que nos deforma só deve ocorrer se a intenção for de melhora e não de submissão traduzida na frase tão comum: eu sou assim. 

Sinto que é preciso um exercício continuo para reconhecer o “sou assim” e buscar a transformação do que não nos eleva. Olhar para dentro e assim acolher o que segue fora. 

Há alguns dias escrevi uma poesia inspirada nessa reflexão: 

A sombra faz parte de nós
Assim como a luz que a pode acolher
Para o acolhimento é preciso decisão e coragem
Aceitar os espelhos que a vida apresenta
Que nos mostra o que em nós é disforme
E que se negarmos se faz ainda mais forte 
A figura horrenda, monstruosa e triste 
A que desejamos matar, impedir que nos vença
É na verdade fração de algo muito maior
E só nos sombreia se não a aceitarmos inteira
Difícil e extensa tarefa que exige bravura
Uma força que existe no fundo da alma
Que só é descoberta ao nos despirmos do orgulho
E abertamente olharmos para a vida
Na genuína busca do que em nos é essência
Aceitando o feio que reside em nós
Para florescer a beleza que carece cuidados
Sem esquecer, por nem mesmo um segundo
Que não estamos sozinhos nessa grande jornada
E que o que parece verdugo pode ser redenção
Aquela réstia de luz que ilumina o escuro
Nos ajuda a enxergar o que estava embaçado
Para com nova visão compreender o que somos
E reverentes e agradecidos até pelas dores
Seguirmos em frente atentos ao mundo
E não somente ao próprio umbigo 

Eu ainda não consigo. Mas, estou atenta e não desisto. 

Gostaria de encerrar com uma fábula que pode nos ensinar um pouco sobre como transformar um defeito em virtude. E em como a generosidade de uma alma sábia pode fazer florescer beleza no árido. 

Uma velha senhora chinesa possuía dois grandes vasos, cada um suspenso na extremidade de uma vara que ela carregava nas costas.
Um dos vasos era rachado e o outro era perfeito. Este último estava sempre cheio de água ao fim da longa caminhada do rio até casa, enquanto o rachado chegava meio vazio.
Durante muito tempo a coisa foi andando assim, com a senhora chegando a casa somente com um vaso e meio de água.
Naturalmente o vaso perfeito era muito orgulhoso do próprio resultado e o pobre vaso rachado tinha vergonha do seu defeito, de conseguir fazer só a metade daquilo que deveria fazer.
Depois de dois anos, refletindo sobre a própria amarga derrota de ser 'rachado', o vaso falou com a senhora durante o caminho:
'Tenho vergonha de mim mesmo, porque esta rachadura que eu tenho faz-me perder metade da água durante o caminho até a sua casa...' 
A velhinha sorriu:
-Reparaste que lindas flores há somente do teu lado do caminho? Eu sempre soube do teu defeito e portanto plantei sementes de flores na beira da estrada do teu lado. E todos os dias, enquanto a gente voltava, tu as regavas. Durante dois anos pude recolher aquelas belíssimas flores para enfeitar a mesa. Se tu não fosses como és, eu não teria tido aquelas maravilhas na minha casa. 
Cada um de nós tem o seu próprio defeito. Mas é o defeito que cada um de nós tem, que faz com que nossa convivência seja interessante e gratificante. 
É preciso aceitar cada um pelo que é... 
E descobrir o que há de bom nele. 

Que, então, possamos descobrir o que há de bom em nós e colocar a serviço do mundo. O maior reconhecimento virá da satisfação que revestirá o coração de alegria.