quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O que é doação?

Reflexões baseadas na leitura do Capítulo 13 do Evangelho Segundo o Espiritismo: Que sua mão esquerda não saiba o que faz a direita 

Há alguns dias abri o guarda-roupa e separei roupas e sapatos para doação. O critério adotado foi o seguinte: se não usei a peça nos últimos três meses é porque não preciso dela. Enchi duas sacolas e coloquei no carro para entregar a alguns desabrigados que fizeram dos baixos de um viaduto sua casa.

Senti-me bem pela boa ação e segui pelos dias, cuidando dos meus afazeres. Naquela semana, quando fui realizar o Evangelho no Lar, abri o livro ao acaso como habitualmente faço e eis que meus olhos pousaram sobre a parábola “O Óbolo da Viúva”, que diz:
Jesus sentou-se em frente ao gazofilácio para observar de que modo o povo colocava ali seu dinheiro. Depois de algum tempo, percebeu que as pessoas ricas depositavam grandes quantidades. Veio então uma pobre viúva que depositou apenas duas pequenas moedas. Vendo isso, Jesus chamou Seus discípulos e lhes disse: Em verdade Eu digo a vocês que esta pobre viúva deu mais do que todos aqueles que antes depositaram suas dádivas no gazofilácio. Enquanto todos os outros deram do que sobrava de sua abundância, a viúva deu o que lhe fazia falta, deu mesmo tudo o que tinha para seu sustento.

Após a leitura, lembrei-me imediatamente dos sem teto a quem doei aquilo que já mais me servia. Desde então, esse tema tem estado frequentemente em minhas reflexões.
Será que eu doaria algo que ainda me serviria? Será que conseguiria abrir mão de algo que ainda poderia me ser útil se algum irmão necessitasse mais do que eu? Qual seria o limite entre a doação verdadeiramente desprendida e o livrar-me do que não mais me serve ou do que me sobra?

E como a vida nos presenteia constantemente com oportunidades de reflexão e desenvolvimento, basta para isso estar atento, o tema passou a figurar nos meus dias, às vezes sutilmente, às vezes veementemente.

Há uma semana, durante uma reunião de trabalho, um querido amigo, Sergio Resende comentou sobre um livro chamado Confiança, Doação, Gratidão, de Lex Bos, e de seu comentário ecoou em meu coração a seguinte reflexão: A questão não é dar e receber, dar para receber não é doação. A questão é fazer fluir.

Então, além de refletir sobre o que seria a verdadeira doação, sobre a capacidade de doar até mesmo o que ainda me é caro e necessário, passei a pensar no que seria o real significado da doação, em como atuar no mundo contribuindo para esse fluir que poderá permitir que as necessidades de todos sejam atendidas.

E essa é outra pergunta que tem me perseguido: Do que realmente necessito? E falo das necessidades materiais, afinal tenho que zelar pela manutenção do que é em mim matéria, visto que ainda estou encarnada, mas também das necessidades anímicas e espirituais. Saber exatamente do que careço exige exercício continuo e desapego. Não é fácil, mas fundamental para a evolução. Se não me debruço sobre mim para obter esse entendimento, corro o risco de viver na superfície, de não perceber o que é de fato importante para mim e me perder em devaneios egoicos, em desejos fúteis que, se atendidos, me darão um prazer momentâneo, mas não curarão as feridas da alma que tento negar não reconhecendo as verdadeiras necessidades. E se estou sempre tentando cobrir meus “buracos” como hei de perceber o que o outro realmente precisa?

Buscando inspiração para jogar luz a essas indagações, busco o Evangelho e sigo a leitura desse capitulo.
Muita gente lamenta não poder fazer todo o bem que desejaria, por falta de recursos, e se querem a fortuna, dizem, é para bem aplicá-la. A intenção é louvável, sem dúvida, e pode ser muito sincera de parte de alguns; mas o seria de parte de todos, assim completamente desinteressados? Não haverá os que, inteiramente empenhados em beneficiar os outros, se sentirão bem de começar por si mesmos, concedendo-se mais algumas satisfações, um pouco mais do supérfluo que ora não têm, para dar aos pobres apenas, o resto? Este pensamento oculto, talvez dissimulado, mas que encontrariam no fundo do coração, se o sondassem, anula o mérito da intenção, pois a verdadeira caridade faz antes pensar nos outros que em si mesmo.
Aqueles cuja intenção é desprovida de qualquer interesse pessoal, deve consolar-se de sua impotência para fazer o bem que desejariam, lembrando que o óbolo do pobre, que o tira da sua própria privação, pesa mais na balança de Deus que o ouro do rico, que dá sem privar-se de nada. Seria grande a satisfação, sem dúvida, de poder socorrer largamente a indigência; mas, se isso é impossível, é necessário submeter-se a fazer o que se pode. Aliás, não é somente com o ouro que se podem enxugar as lágrimas, e não devemos ficar inativos por não o possuirmos. Aquele que deseja sinceramente tornar-se útil para os seus irmãos, encontra mil ocasiões de fazê-lo. Que as procure e as encontrará. Se não for de uma maneira, será de outra, pois não há uma só pessoa, no livre gozo de suas faculdades, que não possa prestar algum serviço, dar uma consolação, amenizar um sofrimento físico ou moral, tomar uma providência útil. Na falta de dinheiro, não dispõe cada qual do seu esforço, do seu tempo, do seu repouso, para oferecer um pouco aos outros? Isso também é a esmola do pobre, o óbolo da viúva.

Então, após ler e reler, fico em meu intimo com as perguntas que compartilho agora:

O que tenho para doar?
O que posso doar?
Quais serão as minhas duas moedas?
O que tenho recebido como doação?
Seria eu verdadeiramente grata a tudo o que a vida me dá?

E a pergunta que pulsa, lateja é:
O que é doação? O que e quando dou sem nenhum interesse em retribuição?

Encontrar essas respostas é fundamental, pois é urgente compreender que:

A expectativa de ter anula o ato da entrega
A expectativa de ter tira a beleza da ação
A expectativa de ter me afasta do outro
A expectativa de ter me afasta de mim
A expectativa de ter me afasta do divino
É preciso confiar em nossa imensa capacidade de dar
E, também, confiar que no tempo certo o que há de vir, virá.
Só assim poderemos desenvolver a verdadeira gratidão
A gratidão por ter aprendido o significado da genuína partilha.
Esse sentimento que envolve a alma e enobrece o espírito.