sábado, 10 de março de 2012

O Buraco da Agulha


Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou odiará a um e amará a outro, ou se prenderá a um e desprezará o outro. Não podeis servir simultaneamente a Deus e a Mamon.

Uma das parábolas que aborda o tema conta que um jovem se aproximou de Jesus e disse: Bom mestre, que bem devo fazer para adquirir a vida eterna?

- Respondeu Jesus: Por que me chamas bom? Bom, só Deus o é. Se queres alcançar a vida eterna, guarda os mandamentos.

- Que mandamentos? retrucou o mancebo.

Disse Jesus: Não matarás; não cometerás adultério; não furtarás; não darás testemunho falso. - Honra a teu pai e a tua mãe e ama a teu próximo como a ti mesmo.

O moço lhe replicou: Tenho guardado todos esses mandamentos desde que cheguei à mocidade. Que é o que ainda me falta?

- Disse Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me.

Ouvindo essas palavras, o moço se foi todo tristonho, porque possuía grandes haveres.

- Jesus disse então a seus discípulos: Digo-vos em verdade que é bem difícil que um rico entre no reino dos céus. - Ainda uma vez vos digo: É mais fácil que um camelo passe pelo buraco de uma agulha, do que entrar um rico no reino dos céus. 



Minhas reflexões
Mamon é um termo, derivado da Bíblia, usado para descrever riqueza material ou cobiça, mas as sábias falas de Jesus, sempre tão cheias de metáforas, podem ser lidas de maneira mais abrangente. Penso que Jesus não se referia somente a bens materiais, fortunas, boa casa, bom carro, dinheiro no banco, patrimônio. Imagino que não falava somente do que é tangível, mensurável e ostentável.

Identificar o apego ao que é material é relativamente fácil. Usamos verbos e pronomes para indicar nossas posses: Isso é meu, eu tenho, eu fiz... Guardamos coisas sem questionar a necessidade, quando fazemos a limpa no guarda-roupa há uma ou outra peça que volta para o cabide. Às vezes, deixamos de emprestar, por exemplo, um livro que poderia servir ao outro por receio de não recebê-lo de volta. Mas, esses exemplos falam do que é palpável: um livro, uma roupa. Mas, e o apego às idéias, crenças, convicções?

Jesus, quando usou a imagem do buraco da agulha, possivelmente referia-se a um portão existente em Jerusalém que por ser tão pequeno e estreito, um camelo não poderia atravessá-lo sem que estivesse sem bagagem e reclinado.

Analisando essa metáfora, ouso dizer que a bagagem carregada por esse camelo é composta além de bens materiais, do conjunto de crenças não questionadas que carregamos vida afora.

O que há em nossa bagagem? Como temos nos conduzido pela vida? Quais são as antigas e enrijecidas crenças que necessitamos rever? O que em nossas mentes se fecha para o novo? A que idéias nos apegamos e assim nublamos nossos olhos para outras possibilidades? O que nos faz acreditar que estamos sempre certos? Sinto que é preciso nos livramos dessa riqueza ilusória das certezas vãs. Certezas, que como espíritas acreditamos, que podem nos acompanhar por várias existências.

Por apego, podemos nos limitar e, assim, não enxergar que é o novo. O que tem frescor só nasce se deixarmos morrer o velho. Falo da morte como transformação, como momento de transição, e para isso, penso que é necessário aprender a confiar no intangível, no imponderável para aprender o desapego.

Sim, penso, que o desprendimento pode ser aprendido. E essa lição a vida nos dá freqüentemente. Porém na maioria das vezes, reclamamos das experiências que frustram nossas expectativas e não reconhecemos as lições, logo não as transformamos em aprendizados para nos guiar no caminho que segue.

Penso, também, no camelo reclinado às portas do “Buraco da Agulha” e isso me remete à humildade. E para sermos humildes, para realizar uma mudança profunda e cruzar o “Buraco da Agulha”, precisamos desfazer-nos da nossa própria bagagem, de tudo o que não é essencial: necessidades de nossos egos e reputação, apegos a resultados específicos e expectativas sobre o que precisa acontecer. A mudança pede que desaprendamos coisas que acreditamos ser verdadeiras.

É preciso saber, para cruzar o Buraco da Agulha, que por estarmos encarnados, carecemos da matéria, mas é imperioso questionar quais são nossas reais necessidades, sejam materiais ou imateriais.

Rudolf Steiner, um grande estudioso que viveu entre o final do século 19 e início do século 20, escreveu algo muito apropriado sobre esse tema:

Eis, um lema os homens devem empunhar, caso contrário não haverá progresso em nossos tempos insanos:

· procurem a vida realmente prática e material, mas procurem-na de modo que ela não os torne insensíveis ao espírito que nela atua.

· procurem o espírito, mas não o procurem com volúpia metafisica, por egoísmo metafisico; procurem-no por quererem usa-lo desinteressadamente na vida prática, no mundo material.

· observem o velho princípio "espírito nunca sem matéria, matéria nunca sem espírito", de modo a poderem dizer": queremos realizar toda ação material à luz do espírito, e queremos procurar a luz do espírito de modo tal que ela nos desenvolva calor para nossa ação prática".

O Evangelho segundo o Espiritismo ainda nos traz a seguinte reflexão:

Se a riqueza houvesse de constituir obstáculo absoluto à salvação dos que a possuem, conforme se poderia inferir de certas palavras de Jesus, interpretadas segundo a letra e não segundo o espírito, Deus, que a concede, teria posto nas mãos de alguns um instrumento de perdição, sem apelação nenhuma, idéia que repugna à razão. Sem dúvida, pelos arrastamentos a que dá causa, pelas tentações que gera e pela fascinação que exerce, a riqueza constitui uma prova muito arriscada, mais perigosa do que a miséria. É o supremo excitante do orgulho, do egoísmo e da vida sensual. E o laço mais forte que prende o homem à Terra e lhe desvia do céu os pensamentos. Produz tal vertigem que, muitas vezes, aquele que passa da miséria à riqueza esquece de pronto a sua primeira condição, os que com ele a partilharam, os que o ajudaram, e faz-se insensível, egoísta e vão. Mas, do fato de a riqueza tornar difícil a jornada, não se segue que a torne impossível e não possa vir a ser um meio de salvação para o que dela sabe servir-se, como certos venenos podem restituir a saúde, se empregados a propósito e com discernimento.

Quando Jesus disse ao moço que o inquiria sobre os meios de ganhar a vida eterna: "Desfase-te de todos os teus bens e segue-me", não pretendeu, decerto, estabelecer como princípio absoluto que cada um deva despojar-se do que possui e que a salvação só a esse preço se obtém; mas, apenas mostrar que o apego aos bens terrenos é um obstáculo à salvação. Aquele moço, com efeito, se julgava quite porque observara certos mandamentos e, no entanto, recusava-se à idéia de abandonar os bens de que era dono. Seu desejo de obter a vida eterna não ia até ao extremo de adquiri-la com sacrifício.

O que Jesus lhe propunha era uma prova decisiva, destinada a pôr a nu o fundo do seu pensamento. Ele podia, sem dúvida, ser um homem perfeitamente honesto na opinião do mundo, não causar dano a ninguém, não maldizer do próximo, não ser vão, nem orgulhoso, honrar a seu pai e a sua mãe. Mas, não tinha a verdadeira caridade; sua virtude não chegava até à abnegação. Isso o que Jesus quis demonstrar. Fazia uma aplicação do princípio: "Fora da caridade não há salvação".

A conseqüência dessas palavras, em sua acepção rigorosa, seria a abolição da riqueza por prejudicial à felicidade futura e como causa de uma imensidade de males na Terra; seria, ao demais, a condenação do trabalho que a pode granjear; conseqüência absurda, que reconduziria o homem à vida selvagem e que, por isso mesmo, estaria em contradição com a lei do progresso, que é lei de Deus.

Se a riqueza é causa de muitos males, se exacerba tanto as más paixões, se provoca mesmo tantos crimes, não é a ela que devemos inculpar, mas ao homem, que dela abusa, como de todos os dons de Deus. Pelo abuso, ele torna pernicioso o que lhe poderia ser de maior utilidade. E a conseqüência do estado de inferioridade do mundo terrestre. Se a riqueza somente males houvesse de produzir, Deus não a teria posto na Terra. Compete ao homem fazê-la produzir o bem.

Com efeito, o homem tem por missão trabalhar pela melhoria material do planeta. Mas, acredito que essa melhoria só será possível se nos abrirmos para o novo que nos chama e nossos ouvidos teimosos insistem em apenas ouvir o já conhecido. É urgente pensar em como integrar e para isso é necessário avaliar do cada um de nós pode abrir mão em função do todo.

Penso que se faz urgente aliar esse pensamento ligado à melhoria material no planeta ao desapego de idéias já vencidas. É preciso superar nossos medos, desprender-se das identidades antigas, aquelas em que construímos a imagem do que somos. Mas somos ao mesmo tempo muito mais e muito menos que essa imagem.

Precisamos desapegar do que pensamos que somos para viver plenamente o que somos, seres em evolução, numa longa e árdua jornada de desenvolvimento.

Então, acredito que um rico pode entrar no reino dos céus, mas é de outra riqueza que falo. Falo da abundancia de bondade, humildade e desapego.

E, eu, francamente, me percebo no inicio dessa caminhada. Ainda há muito chão a ser trilhado, muitas pedras pelo caminho e muitas lições, que rogo, possa vir a aprender.


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